
Artur Semedo - artur.semedo@publiracing.pt
1 de out.













Esta semana, o debate em torno do Orçamento do Estado para 2026 deixou-me com uma sensação difícil de ignorar: a mobilidade em Portugal continua a ser decidida à peça, como se fosse possível gerir um país com medidas avulsas — uma isenção aqui, um agravamento acolá, um “ajuste técnico” no imposto do carro — sem explicar ao cidadão uma visão coerente e uma direção quanto ao futuro. E quando a estrada fiscal e regulatória se torna um labirinto, o resultado é sempre o mesmo: ruído, desconfiança e uma sensação de injustiça que cola aos condutores como pó de travões.
O OE 2026 foi aprovado a 27 de novembro, e rapidamente ficou claro quais seriam os temas mais sensíveis para quem vive com o automóvel (e para quem depende dele para trabalhar): portagens, combustíveis (ISP) e IUC. O ACP, do qual sou sócio e que sempre faz uma abordagem muito interessante aos temas que interessam a quem depende ou é atento ao universo da mobilidade e dos carros, foi direto ao ponto: estes três temas marcaram a discussão, com impacto imediato no bolso e no quotidiano de quem circula.
Comecemos pelas portagens. Já falámos aqui, num outro editorial de semanas atrás. Há medidas que fazem sentido — e o caso do Alentejo é um exemplo. Foi aprovada a isenção para residentes e empresas em parte da A6 (nó A2/A6/A13–Caia) e da A2 (nó A2/A6/A13–Almodôvar), com operacionalização através de dispositivo eletrónico associado à matrícula.
A leitura política é discutível; a leitura prática é clara: para quem vive no interior e precisa de ligação eficiente e segura a Lisboa (como é o nosso caso), a Espanha ou aos grandes eixos logísticos, isto pode ser um alívio real. Mas também é aqui que nasce a minha observação: como é que o país explica, de forma transparente, por que razão certas vias e regiões têm este tipo de alívio e outras não? Sem critérios claros, arriscamo-nos a transformar a política de portagens num mapa de exceções negociadas.
E como se não bastasse, o ACP recordou que, as portagens podem subir até 2,3% em 2026. Ou seja: ao mesmo tempo que se anunciam isenções muito específicas, há pressão de atualização de preços noutras vias — e o utilizador comum volta a sentir que “o sistema” é um mosaico difícil de prever.
Depois temos o combustível — o tema mais universal de todos. Foi tema de notícia uma atualização do ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos), referindo +2,4 cêntimos no gasóleo e +1,6 cêntimos na gasolina, com impacto de receita adicional relevante para 2026.
Aqui, o que me interessa menos é o número exato e mais a mensagem: quando o país fala de “transição” energética, mas grande parte da população ainda depende diariamente de carros a combustão — por falta de alternativa viável, por rendimentos, por geografia —, qualquer mexida no ISP é sentida como uma pressão direta no custo de vida. E se o objetivo é “orientar comportamentos”, isso exige alternativas reais: transporte público credível, ferrovia funcional que seja realmente alternativa, oferta elétrica acessível e infraestrutura de carregamento coerente. Se não há alternativas, ou medidas paralelas, o imposto deixa de ser instrumento de política pública e passa a ser apenas… cobrança e "aumento do caixa".
No IUC, tema também já abordado por nós, a odisseia é um retrato perfeito do nosso problema crónico: falta de clareza. Circularam rumores de aumentos e mudanças “brutais”, mas o que está realmente em cima da mesa, conforme várias análises e explicações ao público, é sobretudo uma reorganização das datas e da forma de pagamento, incluindo a possibilidade de prestações conforme o valor.
A DECO PROteste explicou o essencial: mantém-se a regra do pagamento no mês da matrícula até ao fim de 2026, e a uniformização para abril surge a partir de 2027, com escalões e prestações a partir dos 100 euros.

O que é que isto revela? Que mesmo quando não há aumento, a perceção pública é imediatamente “vão-nos cobrar mais”. E eu compreendo o reflexo: durante anos, o condutor português foi tratado como uma fonte de receita altamente previsível. O próprio ACP referiu que o Estado estima arrecadar 5.367 milhões de euros em 2026 com impostos associados ao setor automóvel, mais 4,7% do que em 2025, mesmo sem subida nominal de taxas em algumas rubricas.
Ou seja: a receita sobe, ainda que se diga “não aumentámos taxas”. Para o cidadão comum, isso soa a truque semântico — e é aí que a confiança se perde, já que os truques de antigamente por parte dos governos, ficam cada vez mais difíceis de explicar para uma sociedade que, também, é cada vez mais esclarecida e informada.
A minha crítica ao OE 2026, do ponto de vista da mobilidade, não é “ser a favor” ou “contra” cada medida. É outra: o país continua sem uma narrativa simples e honesta para quem paga, conduz e depende do automóvel.
Se o objetivo é coesão territorial, expliquem os critérios das isenções e o plano a médio e longo prazo.
Se o objetivo é transição energética, alinhem fiscalidade com alternativas concretas — e não com penalizações sem saída.
Se o objetivo é simplificação, comuniquem o IUC em linguagem de gente, não em linguagem de despacho.
Porque, no fim, mobilidade não é só carros e estradas: é economia, tempo de vida, segurança e dignidade. E um país que quer ser moderno não pode continuar a gerir a vida de quem anda na estrada, mudando sinais e regras sem objetivo claro.
Você sente que o OE 2026 tornou a mobilidade mais justa e previsível… ou apenas reforçou a ideia de que o condutor é sempre o elo mais fácil de taxar e confundir?
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