
Artur Semedo - artur.semedo@publiracing.pt
1 de out.













Há uma frase que se repete sempre que falamos de carros elétricos com leitores, seguidores ou amigos “Eu até comprava… mas desvalorizam muito.” E sim, durante algum tempo, houve verdade nessa perceção — sobretudo em certos modelos, certos anos e certos mercados. Mas, ao terminarmos 2025, a conversa já não pode ficar presa ao chavão. Porque o que está a acontecer no mercado de seminovos elétricos é muito mais um choque entre um produto que evolui depressa e um mercado que ainda está a aprender a precificá-lo.
O primeiro ponto a clarificar é este: a desvalorização existe e, em média, pode ser ligeiramente superior ao de um veículo equivalente a combustão. A própria Cox Automotive, em análise recente, aponta para uma desvalorização média de EV (100% elétrico) na ordem dos 38–42% ao fim de três anos, contra 35–40% em ICE (Motor a combustão Interna), sublinhando também que em 2025 a evolução está mais previsível, mas continua a variar muito por modelo e segmento.
Só que isto, por si só, não explica o fenómeno — nem ajuda o consumidor a decidir.
Se me perguntarem o principal motor da desvalorização rápida em certos elétricos nos últimos 18–24 meses, eu aponto primeiro para o mercado dos novos, não para o foco geral, a bateria.
Aconteceram três coisas ao mesmo tempo na Europa:
Cortes e reposicionamentos de preços de novos elétricos (por concorrência e pressão de mercado), que arrastam imediatamente os preços dos usados também para baixo.
Maior oferta (incluindo principalmente devoluções e vendas de frotas), o que aumenta stock e reduz poder de preço no usado.
Incerteza do consumidor (custo de carregamento, incentivos, geopolítica, valor futuro), que reduz a disposição a pagar “prémio” por um BEV usado.
A IEA (Agência Internacional de Energia), no seu Global EV Outlook 2025, descreve precisamente um contexto europeu de crescimento mais temperado em parte pela redução/eliminação de subsídios em alguns mercados e por condições que mudaram entre 2023 e 2024 e reforçadas no final de 2025 pela União Europeia que sinalizou uma desaceleração nos prazos de exclusão total dos motores de combustão interna no continente.

Olhando particularmente para Portugal, temos um mercado de automóveis novos 100% elétricos que cresce acima da média europeia (mais de 30%), com isso, vamos ter cada vez mais opções de usados e seminovos no mercado, trazendo um continuo ajuste de preços até uma estabilidade de regras, preços e confiança que vai trazer este comercio para um patamar de interesse igual ou até superior ao dos veículos a combustão interna, que nos próximos 10 anos vão crescer muito de depreciação no mercado de usados.
Os elétricos evoluem ano após ano, e essa evolução é muito visível (autonomia, eficiência, carregamento, software). Isto cria um efeito psicológico poderoso no consumidor: “se eu comprar um elétrico de 2023, estou a comprar tecnologia ‘antiga’?”
Só que a desvalorização não é apenas “autonomia”. Há, pelo menos, mais cinco fatores que podem condicionar o mercado:
1) Transparência do estado da bateria: Nos BEV, a bateria é o coração do valor — mas ainda não existe uma norma universal simples e consensual (para o comprador comum) que dê confiança imediata. O resultado é desconto por insegurança: quando não se mede bem o risco, o mercado baixa o preço.
2) Rede e experiência de carregamento: Mesmo em países mais avançados na infraestrutura, a experiência de carregamento público e os modelos tarifários geram hesitação. Isso afeta a procura por usados: quem está a comprar com orçamento apertado não quer “surpresas” no custo por km. Como já explicamos em matéria que podem ver aqui, as variáveis são tantas, quando se carrega um veículo elétrico no posto público, que nunca se sabe efetivamente qual o preço que vai vir para pagar na fatura, e isso gera insegurança.
3) Ciclo de produto e guerra de preços: Modelos com sucessivas revisões, atualizações e reposicionamentos (e concorrência forte) tendem a sofrer mais no usado. Mas isso é puro mercado, sempre foi assim, e sempre será.
4) Oferta de ex-lease e frotas: À medida que aumenta o volume de elétricos em renting/leasing, cresce também a devolução para o mercado de usados. Isso pode ser ótimo para democratizar o acesso… mas baixa preços no curto prazo. Nos EUA e China, por exemplo, há relatórios a apontar para aumento significativo de devoluções volumosas e expansão do mercado de usados EV; a lógica de oferta aplica-se igualmente ao contexto europeu, ainda que com dinâmicas próprias.
5) Segmento: Nem todos os elétricos são iguais no mercado. Os que tendem a reter melhor valor são precisamente os que evoluíram para uma boa autonomia, capacidade de carga rápida, valor de marca e, principalmente, garantias de bateria.
Eu diria assim: é mito quando usado como regra absoluta — e é realidade quando falamos de casos específicos.
O mercado está a fazer aquilo que sempre faz quando uma tecnologia amadurece depressa:
penaliza gerações que foram caras e ficaram “obsoletas” face ao que veio depois, e aqui estamos a falar em evoluções muitas vezes em apenas 12 meses;
valoriza modelos com bateria (e sua garantia) e autonomia “tranquilizadoras”;
e está a caminhar para uma nova normalidade em que a desvalorização é menos emoção e mais pragmatismo.
Aliás, há sinais de que, apesar das quedas de valor, o mercado de usados 100% eletrico continua ativo e a procura por soluções mais acessíveis cresce à medida que os preços corrigem — precisamente porque o usado é, muitas vezes, o verdadeiro acelerador da massificação.
E aqui está a ironia: quanto mais se fala de “desvalorização”, mais se esquece questões que são decisivas na hora da compra de um seminovo. Para muitos condutores, o tema não é quanto perde de valor em três ou cinco anos — é quanto poupa por mês entre energia, manutenção e impostos, e quanto vale o conforto de uso no dia a dia, além de questões ambientais que são cada vez mais valorizados pela sociedade.
Conclusão, o mercado de seminovos elétricos não está a “desmoronar”. Está a maturar. Está a aprender a precificar bateria, autonomia, carga rápida e confiança. Está a ajustar-se à realidade de que os preços dos novos já não são intocáveis. E está a preparar o terreno para uma fase em que o elétrico deixa de ser “o carro do futuro” para ser, simplesmente, um carro — com regras de mercado normais.
No carro elétrico, tudo tem evoluído muito rápido, e a realidade de cinco anos atrás, nada tem de semelhança com a realidade de hoje, com isso vivemos ainda um período de ajustes, tanto nos produtos e suas particularidades, como na disponibilidade e leis "normais" de oferta e procura.
O que sinto é que veículos elétricos com até três anos de uso são hoje em dia, em sua grande maioria, muito confiáveis em termos de garantia de mais alguns anos de economia, e bem estar para condutor e meio ambiente.
Se eu tivesse de resumir numa linha: a desvalorização dos elétricos não é um problema; é também o mecanismo, ou um caminho, que os vai tornar, finalmente, acessíveis e valorizados, e essa realidade já começa a ser notada em mercados maduros.
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Visão clara e esclarecedora da realidade. Parabéns!