Artur Semedo - artur.semedo@publiracing.pt
1 de out.







Nesta última semana, regressou ao centro do debate o tema dos veículos autónomos — não como miragem futurista, mas como realidade que algumas das maiores marcas automóveis do mundo estão a pressionar para chegar às nossas estradas.
Em matérias que a PUBLIRACING publicou nos último dias pudemos ler que a Stellantis assinou uma parceria com a Bolt para testes de carros totalmente autónomos na Europa a partir de 2026, com o objetivo de tornar esta tecnologia uma peça chave da mobilidade partilhada no velho continente.
Ao mesmo tempo, a Volkswagen iniciou testes em estradas públicas na Alemanha com o seu veículo de pesquisa Gen.Urban, representando mais um passo numa evolução que já vai além do tradicional “cruise control”.
E a Nissan deu a conhecer um novo programa-piloto de mobilidade autónoma que terá início a 19 de janeiro de 2026 na cidade de Kobe, Japão. O teste, desenvolvido em colaboração com as autoridades locais, pretende avaliar o potencial de um serviço de transporte autónomo para responder a desafios regionais de mobilidade, ao mesmo tempo que cria novas experiências para residentes e turistas.
São anúncios e movimentos que, na superfície, parecem apontar para um futuro inevitável: carros que conduzem carros, onde o condutor se torna uma mera presença de conforto.
Mas pergunto-me, como condutor, jornalista automóvel e alguém que sempre viveu a paixão do volante, se este futuro é realmente do gosto da maioria das pessoas.
Antes de mais, é preciso explicar onde estamos hoje. A autonomia está classificada em níveis — do 0 ao 5 — sendo que a maioria dos carros modernos vendidos atualmente chega apenas ao nível 2, com assistência de velocidade e manutenção de faixa. Os verdadeiros autocarros sem intervenção humana, os de níveis 4 e 5, ainda são raros e restritos a projetos piloto muito controlados.
O anúncio da Stellantis e da Bolt de implantar veículos sem condutor em ambientes reais até 2026 é notável por isso mesmo: não estamos a falar de truques de estacionamento ou viagens em auto-estrada controlada. Estamos a falar de frotas de veículos autónomos operando em cidades europeias, uma mudança tão estrutural quanto a popularização dos carros elétricos na última década.
Ainda assim, não posso deixar de questionar: como reagirão as pessoas quando o carro que adoravam conduzir passar a conduzir sozinho? Afinal, a magia do automóvel fez-se — e ainda se faz — na sensação de controlo, de resposta imediata entre os nossos nervos e as rodas. Nós sentimos o carro responder ao nosso toque no acelerador, no travão, na direção. Isso é mais do que deslocamento: é um sentimento de domínio e de expressão pessoal.
Claro que há provas de que independência humana traz vantagens objectivas: redução de acidentes, potencial para aumentar a mobilidade de idosos ou pessoas com limitações, e, em teoria, mais eficiência no trânsito. Mesmo assim, as experiências práticas mostram que os desafios ainda são enormes e que a confiança do público não é algo que se conquista com anúncios fáceis.
O exemplo do projeto Cruise da GM mostra isso: depois de uma série de incidentes e preocupações com segurança, sendo o mais grave aquele de 2 de outubro de 2023 em São Francisco, as operações foram suspensas em várias cidades e a tecnologia teve de passar por revisões profundas.

Isto demonstra que a corrida tecnológica ainda tem muitos obstáculos — tanto de aceitação social como de fiabilidade técnica.
Noutro plano, a mistura de auto-condução com serviços de “ride-hailing” ou carros partilhados levanta questões éticas e práticas: quem é responsável em caso de acidente?
Como se protegem os dados de quem usa estes serviços? Como educar uma população inteira para confiar em máquinas que tomam decisões que antes eram exclusivamente humanas?
Os defensores entusiasmados dos carros sem motorista falam de conforto, segurança, eficiência. Mas há uma questão emocional que, na minha opinião, falta no debate: o que perdemos quando deixamos de conduzir?
Para muitas pessoas, o carro não é apenas um modo de transporte. É um espaço pessoal, um palco de memórias — da primeira vez a conduzir sozinho, das viagens em família, das escapadelas fora de horas. O automóvel é uma extensão da nossa vontade. E quando uma máquina toma o volante, podemos ganhar em conveniência... mas podemos perder algo essencial da experiência humana de conduzir.
Se ligarmos isso à forma como a tecnologia tem sido adoptada noutras esferas — pense na fotografia que passou de filme para digital, e agora para filtros automáticos, a música, que dos apaixonantes discos de vinil, passou para o impessoal streaming — percebemos que as inovações nem sempre ressoam emocionalmente com todos. E as próprias marcas sabem disso, não por acaso praticamente todas estão lançando seus serviços de heritage, com restauração e disponibilidade de peças para seus modelos clássicos, precisamente pelo apelo emocional de conduzir um automóvel e as memórias que isso carrega.
Mesmo com todo o investimento e testes, resta uma pergunta: as pessoas querem realmente um carro que as substitua? A despeito das vantagens racionais — segurança potencial, tempo ganho, menos stress no trânsito — muitos condutores ainda se sentem desconfortáveis a abdicar do controlo total. Em países como Portugal, onde o carro é também símbolo de independência pessoal, essa resistência emocional pode ser ainda maior.
E mesmo entre os tech-savvy, há cautela: sistemas como o Tesla Autopilot e o Full Self-Driving enfrentam críticas e atrasos regulatórios constantes, especialmente na Europa, onde as autoridades submetem estas tecnologias a escrutínio rigoroso antes de aprovação completa.
Além disso, o custo, a necessidade de infraestruturas inteligentes nas estradas, as leis de responsabilidade civil e até a cultura de condução e regras de trânsito variam muito de país para país — o que significa que um futuro autónomo homogéneo pode ser mais difícil e mais lento do que parece.
A tecnologia de veículos autónomos está claramente a avançar. A Stellantis, a Volkswagen, a Nissan e gigantes da tecnologia como a Waymo estão a apostar numa revolução que promete carros sem condutor, mais seguros e mais eficientes.
Mas eu pergunto, em voz alta: queremos realmente abrir mão do volante?
A emoção de conduzir — a sensação de controlo total, a responsabilidade pela máquina que responde a cada gesto nosso — pode ser o que torna o automóvel uma paixão duradoura. Se tirarmos isso, corremos o risco de transformar uma experiência visceral de liberdade em algo mais parecido com um transporte público sofisticado e individualizado.
O futuro pode muito bem passar por veículos autónomos… mas acredito que não será um futuro único, homogéneo e inevitável para todos. Haverá espaço para carros autónomos, sem dúvida, especialmente em frotas urbanas, serviços de ride-hailing e mobilidade partilhada. No entanto, para o condutor apaixonado, aquele que ainda gosta do cheiro a gasolina (ou de pneus silenciosos num elétrico), o volante não desaparecerá tão cedo — nem a magia que ele representa.
E aqui vai a pergunta que deixo ao leitor:
Se pudesse escolher entre um carro que conduz por si e outro que o deixa sentir o prazer de controlar cada curva, qual escolheria? E porquê?
Este é o debate que realmente importa — não apenas “quando” a autonomia vai chegar, mas o que queremos perder ou ganhar quando isso acontecer.
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